Como se pode estar satisfeito com o mundo, a não ser quando nele se exile? (Franz kafka)
Gabriel Ornellas | O Pensamento Ilustrado
O pensamento Ilustrado, um emaranhado de subjetividade. A arte como expressão do que se desconhece. Stop motion de cerâmica realizado frame a frame, foto a foto, de algum pensamento disperso. Diego Rocha e Gabriel Ornellas.
Gabriel Ornellas | Um Homem Livre
Nunca vi tamanha aflição. Alberto mal pode me ver e correu em minha direção, parecia estar cuidando de algo que mais se assemelhava a uma catinga, semiárida, do que propriamente dito um jardim. “Me tire disto!”, exclamou afoito, “não aguento mais! Preciso de ajuda... Por tudo que é mais sagrado, me ajude”, clamou desesperadamente. Não houve a necessidade de lhe perguntar o que o afligia, ficou claro que não o demoraria a fazer. “Eu já não sei o que fazer!... Preciso de repostas, necessito-as para minha sanidade”, não era para menos, indagação como aquela deixaria o mais são dos homens inquieto. “Porque ele me ignora?... Porque vago por entre a maior das mazelas humanas?”. Alberto sempre fora seguro, o melhor dos jardineiros, fazia com as plantas, sem grandes dificuldades, o que bem entendesse.
“O que se passa com este jardim? Porque tamanha secura?”, perguntei tentando aliviar a tensão do homem, “isto é o maior sinal de meu abandono!... Como ele fez isso comigo?... Sempre soube lidar com a vida, e hoje mal posso com a minha!”, nunca vi nada igual aquilo, o solo estava seco, rachado, sem nenhuma possibilidade de vida. Nenhuma flor, nenhum fruto, nenhuma semente. “Como posso viver se nem sei de onde vim?... Por quê?... Porque ele me abandonou?... Ele não tinha o direito de me deixar nesta aflição! Sempre lhe fui servil, fiel, sempre acreditei em sua imensa bondade... Mas como pode ser bom se permite que eu fique assim? Abandonado, sem respostas?”, dizia-me desesperadamente. “Alberto, você sempre cuidou de suas flores, elas germinavam, floriam, davam frutos, cumpriam seu papel”, “Seu papel?”, interrompe-me elevando a voz, “e qual seria o papel delas?”, indagou irritado, “seguir o caminho que eu designava para elas, se contentar com a quantidade de luz, de água, de nutrientes, que eu proporcionava para elas?... E depois?... Depois elas devem morrer?... Sem se darem conta de todo o infinito que existe além daquela estufa?”, questionava-me o homem, “Por quê?... Porque isso aconteceu comigo?”, suplicava-me, “maldito livre arbítrio!... Eu sempre lhe fui fiel, sempre acreditei em sua grandeza, e de que adiantou?... Ele me abandonou, permitiu que eu o traísse... Porque ele permitiu?... Quem disse que eu queria esta liberdade?... Porque? Porque?”, era angustiante ver a situação daquele pobre homem, eu nada poderia fazer, sozinho ele se colocou naquela situação e somente sozinho poderia sair dali. Alberto estava atônito, faltava-lhe vida, a vida que ele mesmo, racionalmente, se tirou. “Eu não aguento mais!... Este silêncio me perturba... O livre arbítrio é a pior das mazelas humanas, eu não quero esta liberdade”, afirmava com fervor, “Por quê?... Porque ele permitiu que eu não acreditasse mais nele?... Eu era feliz!... Sim, eu era feliz acreditando que minha vida era pré-determinada... E agora, o que eu faço? Porque ele permitiu? Porque me deixou neste abismo?”. De fato a situação daquele homem era angustiante. Ficara vagando pela escuridão do próprio pensamento. Poucos sabem lidar com a possibilidade de escolha, e não era o caso daquele pobre homem.
Gabriel Ornellas
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