Foi outra daquelas expedições. A copa esverdeada dos arvoredos estavam floridas, uma tonalidade azul-avermelhado entapetava o chão, frutas silvestres. A sinfonia metálica dos grilos me geravam certa familiaridade. Sujeito curioso o Araquém. Encontrei ele às margens do Capibaribe acompanhado de se velho companheiro Gibraltar. O velho Araquém era destes tipos simplórios que cativam a todos, lembrava uma coruja de barba e óculos redondos. Nós passávamos horas tentando adivinhar os barulhos selvagens. O velho reconhecia pela respiração e pelo canto qualquer espécie de pássaros, “esse é o Pintassilgo laranja, e este, o Acauã!”, até parecia um deles. Isso quando não surgia Gibraltar afogado em baba com algum amarelo, as vezes um vermelho na boca. “Tomi a vida quiném se toma seu trabaio, quando se fica sem ela nun vai consegui mais trabaiá!”, o velho tinha razão.
Estava muito quente e uma sede ensurdecedora me tomava, minha bilha estava vazia e não tinha onde encher, pelo menos até o velho sumir. Trombei um mico, destes bem sacanas. O safado pulou em mim e ficou batucando em minha cabeça, pior é que o larápio tinha ritmo, uma mistura de jongo com maracatu, nem eu sabia que minha cabeça tinha tantos timbres. Por onde eu ia ele me seguia e aprontava alguma. Roubou meu óculos e ainda urinou na minha roupa. Tentei novamente arrancar algo da bilha, mas nada, seca como um inhame torrado. Foi então que o sacana pulou no meu ombro e falou ao meu ouvido, “Por debaixo da aroeira corre água pura e cristalina pra tua sede”, como pode? Sacana! Como podia pular de galho em galho como se tivesse asas de rapina? E embaixo da aroeira? Ele só podia estar me sacaneando de novo.
A aroeira estava carregada, mas água, nada vi. Só me restou subir na árvore e comer seus frutos vermelhos. Não sei por onde, mas como um orvalho ensaboado escorreguei e me estatelei no chão. Lá estava ele, a beira de um rio cristalino se deliciando com a água, parecia mesmo uma coruja barbuda de óculos, apenas me olhou e com um sorriso encharcado falou, “Calô né?”.
Gabriel Ornellas