Gabriel Ornellas | De Portas Vazias

No começo foi apenas um pesadelo que se repetiu muitas vezes, acordava assustado, o pesadelo  se transformou em conto, o conto inspirou um curta-metragem, e hoje o pesadelo se tornou um sonho, um devaneio. Curta-Metragem baseado no conto Portas Abertas.

Gabriel Ornellas | Portas Abertas

     Pai! Mãe! Tem alguém aí? Mas que merda, não tem ninguém em casa de novo. já estou de saco cheio desta putaria.  Que fome! Além de saírem de novo sem me chamar, não deixaram nada pra comer. Parece que eu não existo! - O perfume adocicado e enjoativo de minha mãe ainda esta no ar, eles devem ter saído à pouco. - Se ao menos tivessem deixado dinheiro para eu pedir uma pizza! Mas não, eles esquecem que tem outro morador nesta casa.
    Esta tudo tão normal. A TV no mesmo canal infame de sempre, os tapetes bem escovados, as bebidas do bar, os contratos do meu pai, só a limpeza que está impecável. - Parece até quando íamos viajar e minha mãe mandava faxinar a casa inteira, como se fosse colocar à venda. - Escutei barulhos na cozinha, deve ser o desgraçado do gato do vizinho tentando comer os restos de cima da mesa. Ué, não tem nada em cima da mesa, quanto menos o infeliz do gato, aliás, cadê as porcelanas da minha mãe? A prataria? Os armários estão todos vazios cheirando a álcool. A geladeira desligada sem nada dentro. O quarto também está vazio, a cama muito bem arrumada, os armários vazios, de portas abertas.
Escutei risos, eles devem ter voltado. Pai! Mãe! Não há ninguém aqui, só as cortinas de seda balançando suavemente com a brisa da chuva que se anuncia. Não demorou muito uma fina garoa rompeu a noite fria. As janelas estavam todas abertas, não havia porque fechá-las. Quem desligou a TV? Cadê as bebidas do bar? Os papeis? Fui até o quarto passar o tempo até que alguém chegasse. Estava tudo diferente. Tudo eximiamente arrumado, meu computador não era este, este parece de mentira. A escrivaninha estava limpa, sem nada em cima, apenas um bloco de papel em branco e três novos lápis. A planta que ficava ao lado do computador era artificial. - Não me recordo de ter comprado nada artificial. - Sentia frio, muito frio, fui pegar uma blusa e nada encontrei. Armários vazios, de portas abertas. Só restou minha velha mochila rasgada com alguns desenhos dentro e uma ponta. Escutei vozes felizes vindo da sala. Pai! Mãe! Vocês voltaram? 
Gabriel Ornellas

Gabriel Ornellas | Convite Para Uma Viagem

Uma breve reflexão. Um exercício. Um Devaneio. O nosso Convite Para Uma Viagem, tem como foco principal a fé. Em tempos em que constitucionalmente, nos classificamos laicos, agnósticos, e em quase a totalidade dos órgãos públicos ainda encontramos crucifixos pendurados na parede, buscamos a reflexão, bem como, o respeito para, e entre todas as doutrinas religiosas. O intuito aqui, não é colocar em xeque nenhuma religião, e sim demostrar que, a fé, qualquer que seja, pode ser um ótimo norte para o nosso caminho, pois em tempos em que a subjetividade reina, é necessário ter no que acreditar para não ficar vagando por entre os longos corredores da racionalidade humana. Lenon Oliveira e Gabriel Ornellas.


Gabriel Ornellas | Unhas e Dentes


Eram cerca de onze horas, a noite estava fria, úmida, e deserta, sem nenhuma alma viva vagando. Eu nunca fui muito de convívio social, aliás, nunca gostei de pessoas, elas fazem mal umas às outras sem terem motivos para tal. Sempre preferi os animais, estes agem extintivamente, não possuem mais de uma personalidade, e me reconhecem como superior. Os homens, ah os homens tem toda aquela coisa de se achar o topo da cadeia alimentar, quem foi que os convenceu disto? Eles com esta superioridade auto reconhecida tomaram meu espaço, agora tenho de viver acuado, me alimentando de segunda mão, e respirando este ar cinza que eles produzem. Pois bem, a situação já está criada e eu preciso sobreviver. Não que eu goste, ou que seja meu prato favorito, mas eu não tenho muitas escolhas. 
  Só dava para ouvir o barulho do orvalho escorrendo pelas folhas das árvores, quando como de costume, me enfiei sorrateiramente embaixo de um arbusto. Estava pronto para tudo, meu coração estava acelerado, pulsando fortemente, sentia a adrenalina se espalhar por cada célula do meu corpo, era capaz de sentir o ar gélido sendo inspirado, e se transformando no bafo quente que era expirado. Eu o vi de longe, sentia o calor de seu corpo se aproximando, seu cheiro de arrogante superior, imponente. Ele era bem forte e grande, vestia uma farda azul rota e empunhava um revólver - como se eu tivesse medo de revolveres -. Veio andando em minha direção sem me notar, os homens tem este defeito de não sentir o ambiente em que estão. Foi de fato uma desvantagem para ele guardar o revólver na cinta. Ele vinha tranquilo, como se nada temesse, assim que passou por mim o ataquei pelas costas, ele não teve tempo e nem chance de reagir, ataquei diretamente o pescoço, rasguei-lhe a jugular, e depois o rasguei inteiro - naquele momento ele não parecia um ser superior, quanto menos o topo da cadeia alimentar -. Tudo que restou foi um pouco de sangue no chão e em meu rosto, e alguns pedaços de carne nos meus dentes. De fato ele não era muito saboroso, mas era o que eu tinha no momento. Deixei o corpo jogado no mesmo local em que o ataquei, fui embora tranquilamente de peito erguido, afinal, eu sou o topo da cadeia alimentar. 

Gabriel Ornellas

Gabriel Ornellas | O Sono

      Acordei assustado, não sei ao certo se estava dormindo, mas estava assustado. Enquanto dormia, sonhava muito em acordar, nem sei se estava dormindo. Lembro-me que sonhando sentia muita fome, aliás, nem sei como ela passou, e nem em que momento, apenas me assustei. De fato acordei assustado, mas não sei ao certo se estava dormindo. No sonho, me olhavam com indiferença, tinham piedade. Não tenho tanta certeza se estava sonhando. Dormia pesado, nada me tirava daquela situação, nem mesmo os cachorros que me faziam companhia, a propósito, os cachorros eram bem cuidados, recebiam carinho de todos que passavam, e eram muito bem alimentados. Os cachorros não pareciam estar assustados, quanto menos dormindo. Lembro de ter tomado alguns chutes e pauladas enquanto dormia. Será que estava dormindo ? O sono não acabava, quanto mais eu dormia mais cansado ficava. Mas eu nem sei ao certo se estava dormindo! Enquanto o sono não cessava, o sonho me confortava. Recebia chutes e pauladas, a indiferença e a piedade me faziam bem, dos cachorros eu não gostava muito, mas minha fome, ah minha fome, não sei porque ela me abandonou, só sei que acordei assustado.

Gabriel Ornellas